MPRO e MPF cobram indenização por apagões de 2015 em Rondônia e Acre
Empresas e órgãos públicos são acusados de falhas no fornecimento de energia que causaram danos coletivos e materiais à população
O Ministério Público de Rondônia (MPRO) e o Ministério Público Federal (MPF) protocolaram, nas alegações finais de uma ação civil pública iniciada em 2015, um pedido à Justiça Federal para que empresas do setor elétrico e órgãos públicos sejam condenados a pagar uma indenização de R$ 2 milhões por danos morais e sociais aos estados de Rondônia e Acre.
A demanda tem como base as constantes interrupções no fornecimento de energia elétrica enfrentadas pelas populações locais naquele ano, resultado de falhas crônicas no sistema elétrico regional. Além da reparação moral, os Ministérios Públicos pleiteiam a responsabilização solidária dos réus por danos materiais sofridos pelos consumidores, bem como medidas estruturais para garantir a qualidade e a estabilidade do serviço.
Entre os réus da ação estão a Eletronorte, a Eletrobrás, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a União, além das distribuidoras Energisa Acre e Energisa Rondônia. A ação reflete a busca por accountability no setor energético, destacando a negligência no planejamento e na execução de políticas que assegurassem um serviço essencial à população.
Demandas por melhorias e padrões de qualidade mais rigorosos
Além da indenização, o MPRO e o MPF requerem a manutenção da usina termoelétrica Termonorte II como reserva energética para situações de emergência, bem como a continuidade das melhorias implementadas desde 2015 nos sistemas elétricos que atendem Rondônia e Acre. Um dos pontos centrais do pedido é o estabelecimento de índices de qualidade mais rigorosos para o fornecimento de energia na região, superando os padrões aplicados aos demais estados da Amazônia Legal.
Os índices em questão são a Duração Equivalente de Interrupção (DEC), que mede o tempo médio anual sem energia por consumidor, e a Frequência Equivalente de Interrupção (FEC), que calcula o número médio de interrupções no fornecimento. Segundo os Ministérios Públicos, esses indicadores devem ser fixados abaixo do menor limite da Amazônia Legal, refletindo a necessidade de um serviço mais confiável. Dados da Aneel entre 2015 e 2020 revelam um cenário preocupante: em 2015, o DEC em Rondônia alcançou 56,38 horas (frente a um limite regulatório de 34,22 horas), enquanto o FEC registrou 40,71 interrupções (contra um teto de 29,07). Esses números evidenciam a precariedade histórica do sistema e justificam a demanda por padrões mais exigentes.
Outro pedido é que as distribuidoras Energisa Rondônia e Energisa Acre sejam obrigadas a notificar os consumidores com pelo menos 72 horas de antecedência sobre interrupções programadas para manutenção ou correção da rede, especificando as áreas afetadas. Após uma eventual condenação, os Ministérios Públicos também exigem que os réus divulguem a decisão judicial em canais de ampla circulação, como redes sociais, televisão, rádio e jornais locais, promovendo transparência e conscientização pública.
Contexto das falhas: um sistema vulnerável
A crise de 2015, que motivou a ação, ocorreu em um cenário paradoxal. Apesar da construção das usinas hidrelétricas Santo Antônio e Jirau em Rondônia, a energia gerada era direcionada a Araraquara (SP) pelo Sistema Interligado Nacional (SIN) e depois redistribuída ao estado, em um trajeto suscetível a falhas estruturais e logísticas. Esse modelo de transmissão, aliado à ausência de planejamento adequado, resultou em apagões frequentes que afetaram diretamente a população e a economia local.
Na época, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) propôs como soluções emergenciais a ativação da Termonorte II e a conclusão do terceiro circuito da linha de transmissão de 230 kV entre Jauru (MT) e Porto Velho (RO). Embora essas medidas tenham sido implementadas, os atrasos na execução e a fragilidade pré-existente do sistema elétrico expuseram a falta de preparo dos responsáveis. Para o Ministério Público, as melhorias realizadas nos anos seguintes apenas confirmam que o serviço era insuficiente e que os investimentos necessários deveriam ter sido priorizados muito antes.
Responsabilidade solidária e o código de Defesa do Consumidor
A argumentação do MPRO e do MPF sustenta que os réus — incluindo empresas de geração, transmissão, distribuição e órgãos reguladores — falharam em suas responsabilidades, configurando uma violação ao Código de Defesa do Consumidor (CDC). A ação destaca que, mesmo diante de um serviço essencial prestado de forma precária, as empresas do setor obtiveram lucros significativos ao longo de décadas, sem reinvestir adequadamente na infraestrutura ou no planejamento para evitar interrupções.
A responsabilização solidária proposta abrange toda a cadeia de fornecimento de energia, desde a geração até a entrega ao consumidor final, incluindo a atuação fiscalizatória da Aneel e da União. O Ministério Público enfatiza que a população de Rondônia e Acre foi diretamente prejudicada por essa omissão, enfrentando não apenas transtornos diários, mas também impactos sociais e econômicos de longo alcance.
Impacto e precedente legal
Tramitando há quase uma década, o caso pode se tornar um marco na jurisprudência brasileira ao estabelecer precedentes para a responsabilização de agentes públicos e privados por falhas em serviços essenciais. A aplicação do CDC em defesa dos consumidores reforça a necessidade de um sistema energético mais resiliente e de políticas públicas que priorizem os direitos da população, especialmente em regiões historicamente negligenciadas como a Amazônia Legal.
A decisão final será proferida pela Justiça Federal em Rondônia, com base nas alegações finais assinadas pelo procurador da República Leonardo Caberlon e pela promotora de Justiça Daniela Nicolai. O desfecho do processo é aguardado com expectativa, tanto pelos moradores dos dois estados quanto por especialistas em direito do consumidor e regulação energética.