Novo Código Eleitoral: Quarentena de 4 anos para "agentes da lei" gera polêmica no Senado
Debate na CCJ expõe divisão de opiniões sobre desincompatibilização e alterações na Lei da Ficha Limpa e urnas eletrônicas
A proposta do novo Código Eleitoral, consubstanciada no Projeto de Lei Complementar (PLP 112/2021), tem gerado intensos debates no Senado Federal, especialmente após a audiência pública realizada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) nesta quinta-feira (24).
O ponto mais controverso do texto, que tramita em regime de urgência, é a exigência de um prazo de quatro anos de desincompatibilização para “agentes da lei” que desejem concorrer a cargos eletivos.
Juízes, membros do Ministério Público, policiais federais, rodoviários, civis, militares, guardas municipais e membros das Forças Armadas seriam diretamente impactados pela medida, que divide opiniões entre senadores, especialistas e representantes de categorias profissionais. Esta foi a segunda de três audiências previstas para discutir o projeto, que também aborda mudanças na Lei da Ficha Limpa, crimes eleitorais e a auditoria de urnas eletrônicas, temas que reacendem polêmicas no cenário político brasileiro.
A quarentena de quatro anos: um “banimento” ou salvaguarda institucional?
O substitutivo apresentado pelo relator, senador Marcelo Castro (MDB-PI), estabelece que os chamados “agentes da lei” devem se afastar de suas funções quatro anos antes das eleições para concorrer a cargos públicos. A medida, que não estava no texto original da deputada Soraya Santos (PL-RJ), foi inserida por meio de uma emenda aglutinativa na Câmara dos Deputados, gerando críticas contundentes de representantes das categorias afetadas.
O projeto original previa que a regra valeria a partir das eleições de 2026, mas Castro propôs uma transição mais longa, com a exigência entrando em vigor apenas nas eleições que ocorrerem quatro anos após a publicação da lei, caso aprovada.
Durante a audiência, o vice-presidente da CCJ, senador Vanderlan Cardoso (PSB-GO), destacou a relevância do tema: “A discussão sobre a desincompatibilização é imprescindível, e o compromisso do Senado está alinhado com o que será melhor para o país, seja em momento eleitoral ou após as eleições.”
No entanto, as vozes contrárias à proposta dominaram o debate. O senador Hamilton Mourão (Republicanos-DF), com uma trajetória de 46 anos no Exército Brasileiro, criticou a falta de realismo na proposta. “Não há politização nos quartéis, nas polícias ou na magistratura. Algumas pessoas se destacam e decidem servir à população na política”, afirmou, lembrando que o interesse político pode surgir naturalmente ao longo da carreira.
O senador Sergio Moro (União-PR), ex-juiz federal conhecido pela Operação Lava Jato, foi ainda mais incisivo, classificando o prazo de quatro anos como “arbitrário” e uma medida que “expulsa” essas categorias da política. “O Parlamento seria tolhido de contar com a experiência de juízes, promotores e policiais, que trazem perspectivas únicas para o debate legislativo”, argumentou Moro. Ele alertou que a regra poderia desestimular a participação política de profissionais qualificados, comprometendo a diversidade de representação.
Representantes das categorias policiais reforçaram o tom de crítica. O ex-deputado federal Subtenente Gonzaga, que já atuou como liderança na Câmara, classificou a quarentena como “um retrocesso legislativo” e “um banimento” do processo político. “Queremos exercer o direito constitucional de votar e ser votados”, afirmou, destacando que a medida viola princípios fundamentais da Constituição. O presidente da Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis (Cobrapol), Giancarlo Corrêa Miranda, foi na mesma linha, apontando que a exclusão de policiais da política fere o artigo 14 da Constituição, que garante a participação eleitoral. “Temos pouquíssimos policiais civis eleitos. Essa regra elimina de vez nossa representação”, disse.
O Coronel Elias Miler da Silva, da Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais (Feneme), foi categórico ao chamar a proposta de “monstruosidade jurídica”. Ele argumentou que o afastamento definitivo exigido pela regra — que, na prática, obrigaria o profissional a pedir demissão do serviço público — é inconstitucional, já que os direitos políticos são cláusula pétrea. “O prazo atual de seis meses é suficiente”, defendeu. O delegado de Polícia Civil Adriano Costa complementou, destacando a desproporcionalidade da medida: “Pedir que um policial abra mão de seu cargo para concorrer a um pleito sem resultado garantido é injusto. Somos minoria nas casas legislativas, e o povo escolhe representantes que defendam pautas como a segurança pública.”
Por outro lado, defensores da quarentena mais longa argumentaram que ela protege a imparcialidade das instituições. Beatriz Graeff, coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz, reconheceu a importância de policiais na política, mas defendeu “limites específicos” para evitar o uso político de instituições policiais. “Nos últimos anos, vimos policiais projetarem-se politicamente de forma nociva às instituições”, afirmou, citando casos de instrumentalização. Francisco Octávio de Almeida Prado Filho, da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, reforçou que a independência de juízes, promotores e policiais exige um período de transição para a política. “A proposta é um avanço institucional, em nome da separação dos Poderes”, disse.
Lei da Ficha Limpa: ajustes ou retrocesso?
O substitutivo também propõe mudanças na Lei da Ficha Limpa, uniformizando o prazo de inelegibilidade em até oito anos, contados a partir da decisão que aplicou a sanção, e não mais do fim do mandato ou da pena, como ocorre em alguns casos atualmente.
A contagem passaria a valer a partir de 1º de janeiro do ano seguinte à decisão, em vez da data da eleição em que o crime foi praticado. O advogado Melillo Dinis do Nascimento, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), alertou para o risco de retrocessos: “Após décadas de consolidação da Ficha Limpa, não faz sentido recuar em uma conquista histórica da sociedade brasileira.”
O relator, Marcelo Castro, defendeu as alterações, argumentando que elas trazem “uniformidade e transparência” à legislação. “Não estamos desfigurando a Ficha Limpa, mas corrigindo equívocos para aperfeiçoá-la”, afirmou. Ele destacou que o texto busca alinhar os prazos de inelegibilidade em todas as eleições, eliminando ambiguidades.
Crimes Eleitorais: penas mais rígidas
Outro avanço do PLP 112/2021 está na reformulação dos crimes eleitorais. Fernando Gaspar Neisser, da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), elogiou as mudanças, que incluem penas mais severas para práticas como compra de votos, uso indevido da máquina pública e caixa dois. “O projeto cria tipos penais bem desenhados, especialmente para o caixa dois, e adota um olhar mais firme contra abusos”, disse. A proposta é vista como um passo importante para coibir irregularidades que comprometem a lisura do processo eleitoral.
Urnas Eletrônicas: auditoria e controvérsias
O tema das urnas eletrônicas, sempre polêmico, também foi abordado na audiência. O PLP 112/2021 regulamenta a auditoria desses equipamentos, garantindo a instituições como partidos políticos, Ministério Público e sociedade civil o direito de fiscalizar códigos-fonte, softwares e sistemas de biometria, votação, apuração e totalização. A medida visa aumentar a transparência, mas reacendeu críticas ao sistema eleitoral brasileiro.
O procurador do Mato Grosso do Sul, Felipe Marcelo Gimenez, questionou a legitimidade do voto eletrônico, argumentando que ele contraria a cláusula pétrea do voto direto por ser intermediado por software. “O voto é um objeto jurídico que deve estar sob domínio direto do cidadão”, afirmou.
Carlos Rocha, presidente do Instituto Voto Legal, apontou fragilidades no sistema atual, como a concentração de funções no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a ausência de comprovante físico do voto e a falta de contagem pública. Ele propôs a criação de uma Agência Nacional Eleitoral (ANE), inspirada no modelo do Reino Unido, para gerir a logística e a contagem dos votos.
O senador Marcelo Castro rebateu as críticas, destacando a confiabilidade das urnas: “Não há registro de fraude comprovada em 25 anos de uso. Nenhuma ação judicial questiona resultados por manipulação de urnas.” O senador Hamilton Mourão, embora reconheça a eficiência do sistema, defendeu ajustes: “É um tema que desperta paixões, mas precisamos buscar a melhor solução.”
Contexto e próximos passos
A audiência na CCJ, presidida pelo senador Davi Alcolumbre (União-AP), reflete a complexidade do PLP 112/2021, que busca consolidar a legislação eleitoral brasileira em um único código. A proposta tramita em meio a um cenário de polarização política e crescente interesse da sociedade em temas como segurança pública, corrupção e transparência eleitoral. A próxima audiência, ainda sem data definida, será decisiva para ajustar o texto antes da votação na CCJ. Caso aprovado, o projeto seguirá para o plenário do Senado e, posteriormente, para sanção presidencial.
O debate expõe a tensão entre a necessidade de proteger a imparcialidade de instituições estratégicas e o direito constitucional de participação política. A exigência de quatro anos de desincompatibilização, em particular, coloca em xeque o futuro da representação de “agentes da lei” na política brasileira, com implicações para a composição do Congresso e das assembleias estaduais. A decisão do Senado será um marco para o equilíbrio entre democracia, representatividade e integridade institucional.
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