Procuração fraudulenta foi usada para 'roubar' seringal; golpe foi revelado pela PF na Operação Feldberg
Esquema de grilagem de terras em Rondônia envolve documento assinado por empresário morto há dois anos; investigação revela rede de fraudes cartorárias na Amazônia
A 2ª Vara de Comodoro, no Mato Grosso, concedeu liminar em favor de uma família de Rondônia e da empresa E. A. R. MEZABARBA & MARTINS LTDA em um caso que expõe apenas a ponta do iceberg de um esquema sofisticado de fraudes cartorárias e grilagem de terras na Amazônia Legal.
O juiz Ricardo Garcia Maziero determinou a suspensão imediata dos efeitos de uma procuração pública emitida em nome de um homem que já estava morto há dois anos - documento crucial para uma série de transações imobiliárias questionáveis na região.
De acordo com os documentos do processo nº 1000535-14.2025.8.11.0046, no dia 18 de fevereiro de 2008, o Cartório de Paz e Notas de Rondolândia/MT lavrou uma procuração em favor de Eliana Alves Ramos Mezabarba, supostamente assinada por Raimundo Miranda Cunha, então representante da empresa R. MIRANDA CUNHA (atual E. A. R. MEZABARBA & MARTINS LTDA). A procuração teria concedido amplos poderes para transações imobiliárias envolvendo valiosas áreas da Amazônia.
O problema? Raimundo Miranda Cunha havia falecido em 20 de março de 2006, conforme certidão de óbito apresentada no processo, tornando impossível que ele tivesse comparecido ao cartório para outorgar a procuração dois anos após sua morte.
O caso do seringal e a Operação Feldberg
O caso em questão está diretamente ligado a disputas por terras do antigo Seringal Nova Esperança, uma vasta área de floresta amazônica localizada em Rondônia, que se tornou alvo de intensas disputas fundiárias nas últimas décadas. A procuração anulada seria parte fundamental de um esquema para legitimar a transferência fraudulenta das terras.
Em 2021, a Polícia Federal deflagrou a Operação Feldberg, que investigou justamente uma rede de grilagem de terras públicas em Rondônia e Mato Grosso. Durante as investigações, foram identificados diversos cartórios que atuariam facilitando a regularização de documentos fraudulentos, incluindo procurações assinadas por pessoas já falecidas, como no caso de Raimundo Miranda Cunha.
As investigações apontaram que o esquema envolvia a manipulação de documentos cartorários, falsificação de assinaturas e a criação de "empresas fantasmas" para intermediar negociações de terras. O objetivo final seria a legalização de áreas griladas para posterior exploração madeireira e agropecuária, causando danos ambientais irreparáveis à floresta amazônica.
A luta da família
A família, representada pelos advogados Leonor Schrammel, Natalia Aquino Oliveira e Quilvia Carvalho de Sousa, entrou com uma ação de anulação de atos cartorários com pedido liminar após descobrir que seus direitos sobre as terras estavam sendo ameaçados por documentos fraudulentos.
Os legítimos sucessores dos direitos sobre parte do seringal viram-se envolvidos em uma complexa teia de fraudes quando descobriram que a procuração em nome de Raimundo Miranda Cunha havia sido utilizada para transferir direitos sobre áreas que pertenciam à família.
Na decisão publicada na última sexta-feira (25), o magistrado destacou que "há verossimilhança fática representada pela certidão de óbito" e que "exsurge inconteste o perigo de dano pelo risco de dilapidação patrimonial".
"Desta maneira, o pedido da parte autora deve ser julgado procedente com urgência para suspender o efeito da procuração lavrada em 18 de fevereiro de 2008", escreveu o juiz, que determinou também a citação do cartório e de Eliana Alves Ramos Mezabarba para apresentarem contestação no prazo legal.
Modus operandi das fraudes cartorárias
Os investigadores da Operação Feldberg identificaram um padrão nas fraudes: documentos eram lavrados em pequenos cartórios de distritos remotos, com pouca fiscalização, e depois formalizados em registros de imóveis de municípios maiores, criando uma aparente legitimidade às transações.
No caso específico da procuração anulada, o documento foi primeiro lavrado no pequeno Cartório de Paz e Notas de Rondolândia/MT e posteriormente registrado no Cartório de Registros Públicos de Juína/MT, criando uma cadeia documental que dificultava a identificação da fraude.
Este modus operandi permitiu que diversos imóveis na região amazônica fossem irregularmente transferidos, resultando em conflitos agrários, desmatamento ilegal e prejuízos aos verdadeiros proprietários e ao patrimônio público.
Implicações jurídicas e ambientais
A decisão do juiz Ricardo Garcia Maziero representa um importante precedente no combate à grilagem de terras na Amazônia, problema histórico que contribui significativamente para o desmatamento ilegal e conflitos fundiários na região.
Especialistas em direito ambiental e agrário apontam que casos como este revelam falhas estruturais no sistema cartorário brasileiro, especialmente em regiões de fronteira agrícola, onde a regularização fundiária ainda é precária e suscetível a fraudes.
As partes requeridas terão 15 dias para contestar a ação após serem oficialmente citadas. Se não houver contestação, o processo poderá seguir para julgamento antecipado do mérito, potencialmente abrindo caminho para outras anulações de documentos relacionados ao mesmo esquema.
Enquanto isso, o Ministério Público continua acompanhando desdobramentos da Operação Feldberg, que já resultou em dezenas de indiciamentos por crimes como falsidade ideológica, associação criminosa, estelionato, corrupção ativa e passiva, além de crimes ambientais relacionados ao desmatamento ilegal nas áreas griladas.
O caso ilustra a complexidade dos conflitos fundiários na Amazônia e a necessidade urgente de mecanismos mais eficientes para coibir fraudes cartorárias que alimentam o ciclo de grilagem, desmatamento e violência na região.
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