STF na UTI: a intimação de Bolsonaro e o risco de criar um mártir político
Ao mandar intimar Jair Bolsonaro em um leito de UTI, o Supremo Tribunal Federal reforça a narrativa de perseguição política e entrega à direita uma arma poderosa para 2026
No dia 23 de abril de 2025, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou uma oficial de justiça a entrar na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital DF Star, em Brasília, para intimar o ex-presidente Jair Bolsonaro sobre a ação penal em que é réu por tentativa de golpe de Estado.
A decisão, respaldada pelo ministro Alexandre de Moraes, foi justificada pela participação de Bolsonaro em uma live no dia anterior, sugerindo que ele estaria em condições de receber a notificação. No entanto, a imagem de um ex-presidente, aos 70 anos, recém-operado após 12 horas de cirurgia, recebendo uma intimação judicial em um ambiente hospitalar, pode ter consequências políticas e jurídicas que o STF talvez não tenha previsto. Ao agir assim, o Supremo pode ter dado um tiro no pé, transformando Bolsonaro em um mártir e fortalecendo o discurso de perseguição política que a direita brasileira utiliza com maestria.
Um ‘'timing’ questionável
A intimação na UTI não era uma necessidade urgente. Bolsonaro, internado desde 12 de abril para tratar complicações intestinais decorrentes da facada sofrida em 2018, não representava risco de fuga ou obstrução à justiça naquele momento. O Código de Processo Penal (CPP) prevê que a citação pessoal é essencial para o avanço de uma ação penal, mas nada impede que ela seja postergada em situações excepcionais, como a internação em uma UTI.
O STF poderia ter aguardado a alta hospitalar ou determinado a notificação por outros meios, como através de seus advogados, que acompanham ativamente o caso. A escolha de enviar uma oficial de justiça ao hospital, em um momento de vulnerabilidade física do ex-presidente, foi interpretada por seus apoiadores como uma demonstração de crueldade e excesso de zelo.
O jurista Miguel Reale Júnior, renomado professor de Direito Penal e ex-ministro da Justiça, criticou a decisão em entrevista recente: “A forma como a intimação foi conduzida, em um ambiente de UTI, pode ser vista como desproporcional. O STF tem o dever de zelar pelo devido processo legal, mas também pela percepção de imparcialidade. Essa ação pode ser explorada como um gesto de perseguição, especialmente em um contexto político tão polarizado.” A opinião de Reale reflete uma preocupação compartilhada por outros especialistas: o STF, ao priorizar a celeridade, pode ter sacrificado a legitimidade percebida do processo.
A narrativa de perseguição: uma arma da Direita
A direita brasileira, liderada por Bolsonaro e seus aliados, há anos constrói a narrativa de que o ex-presidente é vítima de um “lawfare” – termo popularizado nos Estados Unidos por apoiadores de Donald Trump para descrever supostas perseguições judiciais com motivações políticas. Essa tática foi intensificada após os eventos de 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores de Bolsonaro invadiram as sedes dos Três Poderes, e ganhou novo fôlego com a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) que o tornou réu por tentativa de golpe de Estado. A intimação na UTI, amplamente divulgada por Bolsonaro em suas redes sociais, é o mais recente capítulo dessa estratégia.
Em um vídeo de 11 minutos postado em 23 de abril, Bolsonaro, visivelmente fragilizado, conversa com a oficial de justiça e expressa indignação com a decisão do STF. A gravação, compartilhada milhares de vezes, foi acompanhada de mensagens de aliados como o ex-ministro Eduardo Pazuello, que classificou a intimação como “desumana e cruel”. No X, apoiadores do ex-presidente, usaram hashtags como #STFVergonhaMundial para amplificar a narrativa de vitimização. A pesquisa da AtlasIntel, publicada em abril de 2025, indica que 48% dos brasileiros acreditam que Bolsonaro é inocente das acusações de golpe, um número que pode crescer com episódios como esse.
A cientista política Esther Solano, especialista em comportamento eleitoral, observa: “Bolsonaro é um mestre em transformar derrotas judiciais em capital político. A imagem dele na UTI, sendo intimado, reforça a ideia de que ele é um perseguido político, o que mobiliza sua base e atrai eleitores que desconfiam das instituições. O STF, ao tomar uma decisão tão simbólica, entrega de bandeja uma narrativa que pode ser decisiva em 2026.” Solano aponta que, em um cenário de polarização, gestos percebidos como autoritários pelo público podem fortalecer figuras populistas como Bolsonaro.
Os processos contra Bolsonaro: um pano de fundo conturbado
Bolsonaro enfrenta múltiplos processos que alimentam a percepção de perseguição entre seus apoiadores. Além da ação penal por tentativa de golpe de Estado, ele é investigado em outros inquéritos no STF, como o das fake news e o das milícias digitais, que apuram a disseminação de desinformação e ataques a instituições democráticas. No Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Bolsonaro foi condenado por abuso de poder político, o que o tornou inelegível até 2030. A PGR também o denunciou por crimes como organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado, todos relacionados aos eventos de 8 de janeiro.
O advogado Celso Vilardi, que representa Bolsonaro, tem criticado a condução dos processos, alegando cerceamento de defesa e questionando a legalidade da delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente. Em entrevista ao UOL, Vilardi afirmou: “A falta de acesso integral às evidências e a celeridade incomum do STF levantam dúvidas sobre a imparcialidade do processo.” Essas críticas ecoam entre os apoiadores de Bolsonaro, que veem nas ações do STF uma tentativa de inviabilizar sua participação nas eleições de 2026.
Impactos da decisão: Um Supremo sob escrutínio
A decisão de intimar Bolsonaro na UTI coloca o STF em uma posição delicada. Por um lado, o tribunal busca demonstrar firmeza contra ameaças à democracia, especialmente após os ataques de 8 de janeiro. Por outro, a condução do caso expõe a Corte a acusações de parcialidade e abuso de poder. O jornal britânico Financial Times, em reportagem de 1º de abril de 2025, destacou que o julgamento de Bolsonaro “pode aumentar sua popularidade e dividir ainda mais o Brasil”, apontando a controvérsia em torno do papel de Alexandre de Moraes, que acumula funções de vítima, investigador e julgador no caso.
O professor de Direito Constitucional da USP, Conrado Hübner Mendes, alerta para os riscos de longo prazo: “O STF precisa equilibrar a aplicação da lei com a preservação de sua legitimidade. A intimação na UTI, embora legalmente respaldada, pode ser percebida como um gesto de revanche, o que erode a confiança nas instituições. Em um país polarizado, isso é um convite à instabilidade.” Mendes sugere que o STF deveria adotar maior cautela em decisões de alta visibilidade, especialmente quando envolvem figuras com forte apelo popular.
Os impactos políticos são igualmente preocupantes. O PL, partido de Bolsonaro, já trabalha em um projeto de anistia para os envolvidos no 8 de janeiro, e a intimação na UTI pode galvanizar esforços para aprová-lo. Além disso, a narrativa de perseguição pode atrair eleitores indecisos, que, mesmo não sendo bolsonaristas convictos, desconfiam do Judiciário. A eleição de 2026, que já se desenha como um embate entre forças progressistas e conservadoras, pode ser profundamente influenciada por esse episódio.
Um tiro no pé do STF
Ao mandar intimar Jair Bolsonaro na UTI, o STF cometeu um erro estratégico. A decisão, embora tecnicamente correta, ignora o contexto político e simbólico de um Brasil dividido. Bolsonaro, com sua habilidade de transformar adversidades em vitórias narrativas, ganhou um palco para reforçar sua imagem de mártir. A direita, que já domina a retórica da vitimização, encontrou no episódio uma nova bandeira para mobilizar sua base e atacar as instituições.
O Supremo poderia ter evitado esse deslize ao optar por um momento mais apropriado para a intimação ou por meios menos invasivos. Agora, cabe ao STF conduzir o processo com máxima transparência e rigor, para evitar que a percepção de perseguição se solidifique. Caso contrário, o tribunal não apenas fortalecerá Bolsonaro como também enfraquecerá sua própria autoridade em um momento crucial para a democracia brasileira. O tiro no pé já foi dado; resta saber se o Supremo conseguirá evitar novas feridas autoimpostas.
Por Alan Alex, editor de PainelPolítico
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